terça-feira, 15 de novembro de 2011

Voltar pra casa

Talvez poucas pessoas tenham o privilégio de passar toda sua infância, juventude e início de vida adulta morando no mesmo lugar.
Eu tive.
Esse lugar que reside mais intenso dentro de mim do que em Porto Alegre,num bairro tranquilo, perto da movimentada Avenida Ipiranga,chamo de minha casa.
Meu ninho e trampolim para o mundo.
Espaço sagrado que presenciou tantas mudanças,descobertas ,conflitos e transformações, manteve-se preservado todo esses anos,quase que intacto, tendo nos últimos tempos somente minha mãe como representante dessas vivências do passado.
A cidade em volta já não é mais a minha a tempos.Por alguns lugares até dói  no peito de passar e ver tanta transformação,viadutos e perimetrais.E por outros então a dor é na alma,de saudade dos que partiram pra sempre deixando vazios irreparáveis.
Já faz mais de dois anos que não retorno ao meu primeiro lar.Saí de lá para casar e depois disso meu cep. já mudou várias vezes.Mas nada se compara ao lugar que crescemos.
Hoje, já não volto mais sozinha, trago filha e marido na garupa.Mas quem entende a alegria que fico em chegar e abrir a porta da frente ,de madeira envernizada e fechadura barulhenta?Só pra quem viveu ali.
Difícil explicar em palavras.
Confesso ter uma estranha mania toda vez que volto.Me olho no mesmo espelho de sempre do banheiro cor de rosa, mas vejo sempre outra Liseane refletida,apesar de ser a mesma .Procuro marcas minhas nas paredes e móveis que façam eu voltar no tempo por pelo menos um segundo:
Sentir o cheiro das parreiras carregadas de uvas de duas cores,
O barulho das tartarugas caindo no laguinho feito com a bacia esmaltada da geladeira velha da vó.
Os cafés da tarde.
As salas de conversação que teimavam em acontecer,mesmo que de forma clandestina.
O acordar de domingo ao som do piano do pai.
A buzina da Kombi para nos levar para o colégio Anchieta.
O mundo maravilhoso do urso Pandi e do macaco Simão onde tudo era como podíamos imaginar.
A brincadeira com as Barbies no quarto com minha irmã enquanto a primeira neve caía inédita lá fora sem que percebêssemos de tão envolvidas uma com a outra num outro lugar bem distante dali .
O misterioso quarto do meu irmão onde os Kinders chocolates como que por magia duravam mais que em qualquer outro lugar do planeta.Praticamente um triângulo das bermudas dentro de 4metros quadrados.
Os esperados dias de paz e os infindáveis de guerra.
Quantos Natais e Anos Novos no salão.
AHH!!O Salão!...Valsas dos Patinadores,fumaça de lareira,música e raras visitas.Muito raras.
A mãe sempre servindo,pontualmente,a todos e quase nunca com tempo pra si mesma.Mas quando se arrumava surpreendia a todos com sua elegante beleza discreta.Eu adorava presenciar essa transformação...
 O  ranger do portão se abrindo pra deixar meu pai entrar no seu Passat branco zero,com cheiro de novo, voltando de mais um dia de trabalho na PUC.
Nada de barulho de bola!Não desce o corredor ventoso de patins guria!
E cada boxer uma nova história se juntando a nossa.
Quantas lembranças de um passado que vai se apagando de um endereço antigo na rua das recordações do bairro saudade ou seria Jardim do Salso...
Minha casa: me espera que estou voltando, mais uma vez pra
continuar escrevendo mais um pedaço da nossa história que está longe de terminar.